(47) 3045.2526

molleri@molleri.adv.br

Contrato de Agência. Um Estudo Comparativo do Direito Português com o Direito Brasileiro

Facebook
Twitter
LinkedIn

Introdução

O presente trabalho versa sobre o contrato de agência, em que se busca fazer um estudo investigativo sobre a origem da figura do agente comercial e a sua evolução histórica.

         Faz-se ainda uma abordagem sobre o contrato de agência ou de representação, como também é conhecido no direito Português, à luz do Decreto Lei nº 178/86, de 03 de julho e Decreto Lei nº 118/93, de 13 de abril, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 86/53/CEE do Conselho, de 18.12.1986, relativa à coordenação do Direito dos Estados membros sobre os agentes comerciais.

         Também se faz uma abordagem jurídica do mencionado contrato no âmbito do direito Brasileiro, cujo aspecto legal é tratado pelo Código Civil de 2002, nos seus artigos 710 ao 729. E, concernente ao contrato de representação comercial aborda-se o seu tratamento jurídico como base em lei especial, ou seja, a Lei nº 4.886/09.12.65 e as alterações introduzidas pela Lei nº 8.420/08.05.92, que regula as atividades dos representantes comerciais autônomos.

         Por fim, discorre-se sobre as semelhanças e diferenças do contrato de agenciamento comercial no direito Lusitano e no direito Brasileiro.

1. Origem do Agente Comercial e Evolução Histórica

1.1.  A agência busca a sua génese na relação de comenda. Por esta, o comerciante (commendator) entregava suas mercadorias a um tractator que ficava encarregado de as vender no estrangeiro, mediante uma participação nos lucros derivados dos negócios por si realizados.

Posteriormente, assista-se à participação do tractator também nos prejuízos, eventualmente, emergentes da actividade em causa; é o que se verifica perante a sociedade comercial que a figura da  commenda impulsionou: a sociedade de comandita, em voga (pelo menos na Itália) já no século XII.

A evolução, em celeridade e segurança, operada nos meios de comunicação no final da Idade Média, explica um novo estádio: ao commendator era já possível encaminhar as suas mercadorias para lugares (cada vez mais) distantes, onde seriam comercializados por comissários, os quais as negociavam in loco com terceiros, em nome próprio, mas por conta do  commendator, agora comitente. O estabeleciemento da relação contratual de comissão, génese do mandato comercial gera acrescidas vantagens para o comitente, como sejam a dispensa (ou atenuação) de manutenção de uma organização empresarial, com os correlativos encargos com o pessoal subordinado, a possibilidade de se manter incógnito perante terceiros adquirentes, facto que constituía, comercialmente, uma vantagem, o aumento do volume dos negócios mercê da confiança recebida pela pessoa do comissário, a garantia do cumprimento das obrigações assumidas pelos terceiros, mediante a celebração com o comissário de convenções del credere.

1.2. Mas se a génese remota da figura do agente comercial se justifica historicamente pelo que, sumariamente, ficou descrito, ou seja, pela real impossibilidade de comercialização de produtos, directa e pessoalmente, em locais progressivamente mais longínquos, o certo é que o contrato de agência e a figura do agente comercial, tal como são actualmente entendidos, têm a sua origem próxima na segunda metade do século XIX.

É aqui que se assiste, com a revolução industrial, ao incremento da produção e à consequente exigência de difusão de novos meios de penetração no mercado, aquisição e conservação de clientela.

Intimamente ligada está a necessidade de maior eficácia na distribuição de produtos (mercadorias e/ou serviços) em mercados que se tornam progressivamente mais amplos, e se apresentam cada vez mais distantes do centro de produção dos mesmos.

Daí o desenvolvimento das formas de representação comercial, técnica de reconhecida eficácia na penetração dos mercados.

Se numa primeira fase se assiste, para além da manutenção das relações de comissão, ao recurso sistemático às formas de distribuição de produtos tributárias da subordinação jurídica, o certo é que, rapidamente, se detecta o crescente abandono (não absoluto, obviamente) do recurso a trabalhadores da própria empresa, e ao esquema de filiais e sucursais, em favor do desempenho de funções de representação económica, por sujeitos independentes da estrutura laboral da empresa.

Nestes, destaca-se o agente, colaborador autónomo, como o comissário, mas que, ao contrário deste, tipicamente, não pratica actos jurídicos, << limitando-se >> a promover a contratação: o empresário passa a celebrar, ele próprio, os contratos com os clientes que o agente << lhe traz >>.[1]


[1] BARATA, Carlos Lacerda –Sobre o contrato de agência, Livraria Almedina – Coimbra – 1991, p. 13-16

2. Contrato de Agência no Direito Português

2.1.   Com a entrada em vigor do D.L. 178/86, de 3 de Julho, o contrato de agência abandonou o seu estatuto de contrato socialmente típico, ao ser legislativamente elevado a tipo legal, reconhecendo-se-lhe assim, ex post, a sua importância enquanto tipo social.

A tendencial sintonia entre as soluções preconizadas pela doutrina anterior ao D.L. 178/86 para as questões atinentes ao regime do contrato de agência e as soluções legislativamente consagradas no mesmo diploma legal demonstra, por um lado, que o legislador << soube esperar>>, deixando que se sedimentasse o tipo social e, por outro, que o contrato de agência constitui exemplo paradigmático de como a tipicidade social favorece a tipicidade legal.[1]

2.2.  O citado decreto permite que as partes tenham ampla liberdade contratual, permitindo-lhes estabelecer e conformar as relações jurídicas na medida dos seus interesses, cuidando, para o efeito os instrumentos jurídicos adequados.

A liberdade contratual revela-se um meio indispensável de autodisciplina, perante uma constante e acelerada evolução econômico-social. Constitui, portanto, um fator de rejuvenescimento interno do sistema jurídico. A possibilidade das partes celebrarem contatos atípicos faculta-lhes, assim, sintonizarem-se com as renovadas necessidades práticas, antecipando-se, muitas vezes, nessa tarefa ao legislador.[2]

O contrato de agência, ou de representação comercial, como á também conhecido, apesar da tipicidade social de há muito adquirida, tem sido utilizado, entre nós, como esquema negocial atípico.

Os problemas que, entretanto, vêm ocorrendo e são patenteados pela jurisprudência postulam que, como tem acontecido noutros sistemas jurídicos, seja superada a inércia legislativa. O recente ingresso de Portugal na Comunidade Económica Europeia tornou mais imperativa e urgente a intervenção do legislador, face à indefinição existente, entre nós, sobre o regime deste contrato; consentir na omissão do dever de legislar poderia revelar-se significativamente gravoso para os legítimos interesses dos agentes que operam em território nacional.[3]

O recurso a pessoal da própria empresa, a trabalhadores ou empregados, a ela subordinados juridicamente por contratos de trabalho, além de se revelar cada vez menos eficaz, comportava elevados custos, designadamente de organização, e riscos para a empresa. Em vez de fazer deslocar trabalhadores a locais distantes da sua sede, ou de instalar aí filiais ou sucursais, passou-se a preferir que a empresa se servisse de pessoas estabelecidas nessas zonas, aproveitando a sua organização, as suas capacidades e a sua credibilidade junto do público local.

Esta colaboração, ou <<representação económica>>, começou por realizar-se, de forma mais significativa, e em época mais recuada, através do contrato de comissão. Entretanto, múltiplos factores – inerentes à civilização industrial, como o desenvolvimento dos meios de comunicação e o fabrico em série – logo conduziram ao aparecimento e difusão do contrato de agência. E com isso se deu um salto qualitativo.

Tal como o comissário, o agente é independente e actua com autonomia, sendo remunerado em função dos resultados que vier a obter. Mas é a empresa – rectius, o principal, pois a contraparte do agente pode não ser empresário – que celebra os contratos com os clientes, limitando-se o agente, salvo convenção em contrário, a promover a celebração dos mesmos. A sua actuação pauta-se pelas notas da autonomia e da estabilidade e circunscreve-se a uma determinada zona ou círculo de clientes.

Constitui obrigação fundamental do agente promover a celebração de contratos por conta da outra parte, o que implica não apenas a difusão dos bens e sua penetração no mercado, como, igualmente, todo um complexo leque de tarefas ligadas à negociação e preparação dos contratos. Tratando-se de agente a quem tenham sido atribuídos poderes representativos, cabe-lhe também celebrar os contratos que promove. Mas ainda aqui a sua actuação se apresenta distinta da do mandatário, visto tratar-se de funções acessórias, meramente complementares da atividade material que as antecede.

É neste sentido que logo no artigo 1.º do presente diploma se define a agência, em ordem a salientar os traços fundamentais que caracterizam o contrato, procurando desfazer-se equívocos com outras figuras, mormente com os contratos de comissão, de mediação e de concessão.

Relativamente a este último detecta-se no direito comparado uma certa tendência para o manter como contrato atípico, ao mesmo tempo que se vem pondo em relevo a necessidade de se lhe aplicar, por analogia – quando e na medida em que ela se verifique -, o regime da agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato.[4]

O artigo 1º dispõe que, “Agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes”.[5]


[1] Idem, idem, p. 19/20

[2] DECRETO – LEI nº 178/86. Diário da República I Série, N.º 150 (03-07-86), p. 1575

[3] Idem, Idem, p. 1576

[4] DECRETO – LEI nº 178/86. Diário da República I Série, N.º 150 (03-07-86), p. 1576

[5] DECRETO – LEI nº 118/93. Diário da República I Série A, N.º 86 (13-04-1993), p. 1819

2.3.  Em 13 de Abril de 1993, foi editado o Decreto-Lei nº 118/93, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº. 86/653/CEE do Conselho de 18 de Dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados Membros sobre os agentes comerciais.

O Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, instituiu o regime jurídico do contrato de agência. Fê-lo em termos muito próximos daqueles que a directiva veio, entretanto, consagrar, circunstância a que não foi alheio o facto de o referido diploma ter atentado nos precedentes de direito comparado e de ter acolhido, no essencial , as soluções da proposta de directiva já existente nessa data. Não se mostra necessário, portanto, reformular todo o diploma ou substituí-lo por outro.

Apesar disso, torna-se indispensável proceder a algumas modificações e aditamentos, relativamente aos aspectos em que havia que intervir, por força da directiva. Oportunidade que se aproveitou ainda para fazer outras alterações ao regime que se mostraram aconselháveis durante a sua aplicação.

Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

Artigo 1.º Os artigos 1.º, 4.º, 13.º, 16.º, 17.º, 18.º, 22.º, 27.º, 28.º, 33.º e 34.º do Decreto – Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, passam a ter a seguinte redação:[1]

O artigo 1º, noção e forma, prescreve que:

1 – Agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes.

2- Qualquer das partes tem o direito, a que não pode renunciar, de exigir da outra um documento assinado que indique o conteúdo do contrato e de posteriores aditamentos ou modificações.[2]

Em relação ao direito à comissão, o artigo 16º, dispõe:

1 – ……………………………………………………………………………………………..

2 – O agente tem igualmente direito à comissão por actos concluídos durante a vigência do contrato se gozar de um direito exclusivo para uma zona geográfica ou um círculo de clientes e os mesmos tenham sido concluídos com um cliente pertencente a essa zona ou círculo de clientes.

3- O agente só tem direito à comissão pelos contratos celebrados após o termo da relação de agência provando ter sido ele a negociá-los ou, tendo-os preparado, ficar a sua conclusão a dever-se, principalmente, à actividade por si desenvolvida, contanto que em ambos os casos sejam celebrados num prazo razoável subsequente ao termo da agência.[3]

Sobre a aquisição do direito à comissão, o artigo 18º, traz expresso que:

O agente adquire o direito à comissão logo  na medida em que se verifique uma das circunstâncias:

  1. O principal haja cumprido o contrato ou devesse tê-lo cumprido por força do acordo concluído com terceiro.
  2. O terceiro haja cumprido o contrato.

2- Qualquer acordo das partes sobre o direito à comissão não pode obstar que este se adquira pelo menos quando o terceiro cumpra o contrato ou devesse tê-lo cumprido, caso o principal tenha já cumprido a sua obrigação.

3- A comissão referida nos números anteriores deve ser paga até o último dia do mês seguinte ao trimestre em que o direito tiver sido adquirido.

4- Existindo convenção del credere, pode, porém, o agente exigir as comissões devidas, uma vz celebrado o contrato.[4]

No artigo 10º do Decreto – Lei nº 178/86, que trata da convenção “del credere”, o agente pode garantir, através de convenção reduzida a escrito, o cumprimento das obrigações de terceiro, desde que respeitando o contrato por si negociado ou concluído.

Tem-se entendido que o estabelecimento de uma convenção del credere assume no contrato de agência função diversa da que reveste em sede de contrato de comissão. Aqui pretende-se garantir a posição do comitente, responsabilizando o comissário pelo incumprimento por parte do terceiro, com quem (o comissário) contratou em nome próprio. Na relação de agência, principalmente ter-se-á em vista algo distinto, a saber, obter uma mais cuidada actuação do agente, persuadindo-o a não procurar clientes menos solventes.

É assim que BALDI ensina que o star del credere é no contrato de agência configurado diversamente da sua caracterização na comissão, de onde transitou.

Cremos, no entanto, que mais do que uma diferença de fundo se trata de uma diferença de perspectiva. Na verdade, em ambos os casos está presente uma função de garantia: pela celebração da convenção, o agente (como o comissário) garante perante o principal o cumprimento das obrigações assumidas pelo terceiro no contrato por si promovido (ou celebrado).[5]

Em relação a cessação do contrato, o art. 24º, trata das formas de cessação, que pode se dar por:

  1. acordo das partes;
  2. caducidade;
  3. denúncia;
  4. resolução.

Art. 30º (Resolução). O contrato de agência pode ser resolvido por qualquer das partes:

  1. Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual;
  2. Se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.[6]

Sobre eventual indemnização, o art. 32º diz que:

1 – Independentemente do direito de resolver o contrato, qualquer das partes tem o direito de ser indemnizada, nos termos gerais, pelos danos resultantes do não cumprimento das obrigações da outra.

2 – A resolução do contrato com base na alínea b) do artigo 30.° confere o direito a uma indemnização segundo a equidade.[7]

O art. 33º, sobre indenização de clientela, diz que:

1 – Sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes:

  1. O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou

aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;

  • A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação

do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;

  • O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos

negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).

2- Em caso de morte do agente, a indemnização de clientela pode ser exigida pelos herdeiros.[8]

E o artigo 34.º, sobre o cálculo da indenização de clientela, determina que “a indenização da clientela é fixada em termos equitativos, mas não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos; tendo o contrato durado menos tempo, atender-se-á à média do período em que esteve em vigor”.[9]

Por fim, colhe-se da obra de Pedro Pais Vasconcelos[10], que: “não há lugar a indemnização de clientela se a cessação do contrato for devida a causa imputável ao agente ou se este, por acordo com a outra parte, tiver cedido a sua posição contratual. A ação de indemnização de clientela deve ser exigida no prazo de um ano a contar da cessação do contrato, e a ação proposta no ano subsequente à interpelação”.


[1] DECRETO – LEI nº 118/93. Diário da República I Série A, N.º 86 (13-04-1993), p. 1819

[2] Idem, idem p. 1819

[3] Idem, idem p. 1819

[4] DECRETO – LEI nº 118/93. Diário da República I Série A, N.º 86 (13-04-1993), p. 1819

[5] BARATA, Carlos Lacerda. In Sobre o contrato de agência, Livraria Almedina. – Coimbra – 1991, p. 70-71

[6] DECRETO – LEI nº 178/86. Diário da República I Série, N.º 150 (03-07-86), p. 1579

[7] Idem, idem p. 1580

[8] DECRETO – LEI nº 178/86. Diário da República I Série, N.º 150 (03-07-86), p. 1580.

[9] DECRETO – LEI nº 118/93. Diário da República I Série A, N.º 86 (13-04-1993), p. 1820.

[10] VASCONCELOS, Pedro Pais de. In Direito Comercial, Livraria Almedina – Coimbra – 2015. Vol. 1. p. 188.

Contrato de Agência no Direito Brasileiro

3.1. Conceito

A norma do art. 1º, 2 da Deretiva 86/653/CEE do Conselho de 18 de Dezembro de 1986 relativa à coordenação do direito dos Estados-membros sobre os agentes comerciais define o agente comercial como: “a pessoa que, como intermediário independente, é encarregada a título permanente, quer de negociar a venda ou a compra de mercadorias para uma outra pessoa, adiante desginada ‘comitente’, quer de negociar e concluir tais operações em nome e por conta do comitente (….)”.

Com este teor não se aparta, muito, daquela acatada na norma do art. 710 do CC/2002, ressalva a que, no direito brasileiro, a lei prevê a exclusividade de zona  “(…) em zona determinada (…)”, salvo disposição contratual expressa em sentido contrário. Tanto assim é que, “salvo ajuste, o agente ou distribuidor terá direito à remuneração correspondente aos negócios concluídos dentro de sua zona, ainda que sem a sua interferência” (art. 714 do CC/2002).

A regra de fidelidade vale igualmente para o agente  que fica impedido de agenciar negócios do mesmo gênero por conta de outro proponente naquela zona (cf. art. 711, in fine, do CC/2002). E  em ambas o agente pode tanto encaminhar pedidos, como concluir negócios em nome e por conta do agenciado (comitente), o que vale dizer, tem poderes de representação.[1]

3.2. Direitos e Obrigações do Agente

Conforme a já mencionada diretiva da CEE, são deveres do agente comercial (art. 3.º):

  1. zelar pelos interesses do comitente;
  2. agir lealmente e de boa fé;
  3. em especial: aplicar-se  devidamente na negociação e na conclusão das operações de que esteja encarregado;
  4. comunicar ao comitente todas as informações necessárias de que disponha;
  5. respeitar as instruções razoáveis dadas pelo comitente.

O Código Civil, mutadis mutandis, acatou linha semelhante ao ordenar que atue com toda a sua diligência na condução dos negócios do agenciado ou comitente e que se atenha às instruções recebidas.

Ao par disso, quando declara se aplicarem ao contrato, no que couberem, as regras do mandato e da comissão, traz para o seu bojo o dever de verificar as mercadorias recebidas, comunicando-lhe eventuais avarias, diferenças na qualidade ou quantidade e, ainda, aquele de atuar conforme os usos e práticas daquela modalidade de comércio, de molde a proporcionar ao comitente ou agenciado o lucro que, razoavelmente, seria de se esperar da operação.

Deve ainda indenizar ao comitente os prejuízos porventura arreados, ainda que despedido por justa causa (art. 717 do CC/2002).[2]

Quanto ao atuar de boa fé, este é o princípio expresso no Código Civil de 2002 (art. 422)[3] para todos os tipos de contratos.

Por final, no elenco das obrigações, salvo previsão expressa, deve arcar com todas as despesas decorrentes do exercício da agência, já que o empresário e não mero preposto, inclusive as da publicidade necessária para difundir o produto no mercado. Na prática, os contratos costumam dispor sobre as despesas de publicidade que, no mais das vezes, são repartidas entre as partes.[4]

No que tange aos direitos do agente, este faz jus:

  1. à remuneração: correspondente a todos os negócios concluídos dentro de sua zona, inclusive quando tenham sido realizados sem a sua interferência (art. 714 do CC/2002); quando o negócio deixar de ser realizado por fato imputável ao proponente (art. 716); pelos negócios pendentes, quando despedido sem justa causa (art. 718); pelos serviços úteis prestados, quando a dispensa for justa (art. 717); pelos serviços realizados até seu impedimento em virtude de força maior, circunstâncias em que, em caso de morte, esse direito será transferidos para seus herdeiros (art. 719).
  2. à indenização: se o proponente, sem justa causa, cessar o atendimento das propostas ou reduzi-lo tanto que se torna antieconômica a continuação do contrato (art. 715 do CC/2002); se for despedido sem justa causa (art. 718 do CC/2002),  circunstâncias em que se aplicam os critérios previstos na Lei 4.886/1965, por expressa remessa legal.[5]

A propósito, diz os artigos acima mencionados, verbis:

Art. 714. Salvo ajuste, o agente ou distribuidor terá direito à remuneração correspondente aos negócios concluídos dentro de sua zona, ainda que sem a sua interferência.

Art. 715. O agente ou distribuidor tem direito à indenização se o proponente, sem justa causa, cessar o atendimento das propostas ou reduzi-lo tanto que se torna antieconômica a continuação do contrato.

Art. 716. A remuneração será devida ao agente também quando o negócio deixar de ser realizado por fato imputável ao proponente.

Art. 717. Ainda que dispensado por justa causa, terá o agente direito a ser remunerado pelos serviços úteis prestados ao proponente, sem embargo de haver este perdas e danos pelos prejuízos sofridos.

Art. 718. Se a dispensa se der sem culpa do agente, terá ele direito à remuneração até então devida, inclusive sobre os negócios pendentes, além das indenizações previstas em lei especial.

Art. 719. Se o agente não puder continuar o trabalho por motivo de força maior, terá direito à remuneração correspondente aos serviços realizados, cabendo esse direito aos herdeiros no caso de morte.[6]

Rubens Requião, ao abordar a natureza jurídica da representação comercial, diz que:

“A lei brasileira conceituou a representação comercial, no art. 1º, dispondo que “exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual, por conta de uma ou mais pessoas , a mediação para realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios. O Código Civil, em expressão mais concisa, define o contrato de representação comercial como contrato de agência, pelo qual uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada. Em que pese a mudança do nome do contrato, no contrato de agência estão previstos todos os elementos do contrato de representação comercial como visto pela Lei nº 4886/65: atividade permanente, profissional, autonomia, aproximação para realizar negócios; onerosidade; limitação de área de atuação. Quando o agente tiver condições de executar o contrato intermediado, estando a coisa a ser negociada à sua disposição, teremos o contrato de distribuição.

O contrato de representação comercial ou agência é, a nosso ver, uma convenção típica. Pode tal contrato conter o mandato, mas com este não se confunde; não é comissão mercantil; não é simples locação de serviços, pois, nele, não se remunera o trabalho do agente, mas o resultado útil dele decorrente”.

E conclui:

“Consideramos, por isso, o contrato de representação comercial ou agência uma criação moderna do direito, pertencente ao grupo dos chamados contratos de mediação, destinado a auxiliar o tráfico mercantil”.[7]

Na obra CONTRATOS NOMINADOS[8], na qual se extrai os comentários sobre o contrato de agência e distribuição (CCB/2002), colhe-se os seguintes excertos:

“O art. 710, caput, ministrou uma definição analítica ao contrato de agência, extremando-o das figuras afins. O legislador se conduziu com notável acerto. De um lado, indicou os elementos que especificam a atividade do agente e, de outro, reforçou a autonomia da figura contratual, por intermédio da técnica de excluir outros dados, evitando confundi-la com a representação comercial, regulada pela Lei 4.886/1965.
O elemento essencial repousa na obrigação de o agente promover a realização do negócio por conta de outra pessoa em zona determinada. O núcleo da sua atividade recai sobre o verbo “promover”. É evidente que o verbo “agenciar” se revelaria bem mais preciso. Do agente se espera, relevado o truísmo da expressão, que agencie negócios para o agenciado. Todavia, do verbo agenciar se apropriou, indevidamente, o art. 1º da Lei 4.886/1965, para caracterizar a incumbência do representante comercial, razão pela qual o art. 710, caput, proscreveu-o da agência. Na opinião de ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, o verbo “promover” é bem adequado à função de enunciar o núcleo da atividade do agente.

Em síntese, o agente recolhe ofertas ou convites à oferta de negócios e transmite-os ao agenciado. Assim, o agente não é mediador, eis que não aproxima os futuros contratantes; corretor, porque não intermedeia e não declara a conclusão dos negócios; comissário, porque não contrata em nome próprio; procurador, porque não contrata em nome alheio; representante comercial, porque não conclui o negócio para o representado.

[…]

 Ademais, a atividade do agente é duradoura e constante ou, consoante o art. 710, caput, seu caráter é não eventual. Em outras palavras, há necessidade de estabilidade moderada. “Quem opera para qualquer um” – escreve PONTES DE MIRANDA – “não opera como agente para o agenciado.”


[1] FRANCO, Vera Helena de Mello. In Contratos no direito privado: direito civil e empresarial, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 228-229.

[2] Art. 717. Ainda que dispensado por justa causa, terá o agente direito a ser remunerado pelos serviços úteis prestados ao proponente, sem embargo de haver este perdas e danos pelos prejuízos sofridos.

[3] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

[4] FRANCO, Vera Helena de Mello. In Contratos no direito privado: direito civil e empresarial, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 228-229.

[5] FRANCO, Vera Helena de Mello. In Contratos no direito privado: direito civil e empresarial, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 229-230.

[6] CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO: Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002.

[7] REQUIÃO, Rubens. In Curso de direito comercial, São Paulo: Editora Saraiva, 2003. Vol. 1. ed. atual. p. 206-207

[8] ASSIS, Araken de. In Contratos nominados: mandato, comissão, agência e distribuição, corretagem, transporte, 2. ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. – (Biblioteca de direito civil. Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale; v. 2 / coordenação Miguel Reale, Judith Martins Costa). p. 210-211

4. Semelhanças e Diferenças

Com visto acima, o contrato de agência no Direito Português está disciplinado no Decreto – Lei nº 178/86, de 03 de julho e no Decreto – Lei nº 118/93 de 13 de abril, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 86/653/CEE do Conselho de 18 de Dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados Membros sobre os agentes comerciais.

Nesse tipo de contrato a ampla liberdade contratual permite às partes estabelecer e conformar as relações jurídicas à medida de seus interesses, criando, para o efeito, os instrumentos adequados.

A liberdade contratual, revela-se um meio indispensável de auto disciplina perante uma constante e acelerada evolução econômica social.

O contrato em comento, de agência, ou de representação comercial, como também é conhecido no Direito Português, mesmo diante da tipicidade social de há muito adquirida, tem sido utilizada como esquema negocial atípico.

Os problemas que vem ocorrendo e são chancelados pela jurisprudência postulam que, como tem ocorrido noutros sistemas jurídicos, seja superado pela inércia legislativa.

O ingresso de Portugal na CEE tornou imperiosa a intervenção do legislador, face à indefinição existente, sobre o regime deste contrato.

Assim a edição do DL 178/86 e 118/93, como exposto, vem suprir a lacuna existente.

Já, no direito Brasileiro, o Contrato de Agência vem disciplinado nos artigos 710 a 729, do Código Civil de 2002[1]. No entanto, é de se ressaltar que no referido diploma trata o legislador também do contrato de distribuição, separando-os do contrato de representação comercial, que é regido por lei específica.

Neste, no Brasil, a lei que regula as atividades dos representantes comerciais autônomos é de 1965 (Lei nº 4.886/09.12.65), a qual sofreu alterações pela Lei nº 8.420, de 08.05.1992. Sendo que o conceito legal é dado pelo artigo 1º que diz:   

“Art. 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios”.

         Portanto, o contrato de representação comercial no Brasil é regido por lei especial e não pelo Código Civil. Nesse diploma como já abordado, trata do contrato de agência e de distribuição.

         Assim, pode-se dizer que o contrato de agência no direito Português, como no direito Brasileiro, tem regência própria e o seu conceito se assemelham. Já no que diz respeito ao contrato de agência ou representação comercial, como também é conhecido, é tratado no direito lusitano pelo diplomas já citados, enquanto que no direito Brasileiro os fundamentos jurídicos estão calcados no Código Civil e o de representação comercial em lei especial, o que difere em relação ao direito Português.


[1] CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO: Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002.

5. Conclusão

         No presente trabalho desenvolveu-se um estudo investigativo sobre o contrato de agência comercial ou propriamente do agente comercial. A sua origem e evolução histórica e a importância desse tipo de contrato nas relações comerciais. Constitui-se, como visto, no contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta de outra a de um pacto de modo autônomo e estável, mediante retribuição, podendo, a critério das partes contratantes ser atribuída certa zona ou determinadora área ou círculo de clientes.

         O contrato de representação comercial é uma criação moderna do direito, pertencente ao grupo dos chamados contratos de mediação, destinado a auxiliar a atividade mercantil, com grande alcance econômico e social em razão da sua própria natureza.

         A propósito, alguns Países de há muito já regulamentaram esse tipo de contrato, com o nome típico de agência ou agência comercial, como é o caso do Código Civil italiano que lhe dá a primeira denominação, regulando-o nos artigos 1.742 a 1.753.

         Tanto no direito Português como no direito Brasileiro, o agente comercial é visto como pessoa de extrema importância nas relações comerciais, mormente na comercialização de produtos e de prestação de serviços em locais longínquos.

         O problema enfrentando na pesquisa está relacionado a regulamentação do contrato de agência ou de representação comercial. Parte da doutrina entende ser distinta as figuras da agência e da representação comercial. No direito Português tal distinção não é feita na legislação, tanto que no Decreto – Lei nº 178/86, que trata da questão diz que “o contrato de agência ou de representação comercial” tem sido utilizado como esquema negocial atípico. É o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes.

         Já no direito Brasileiro, o contrato de agência é tratado no Código Civil de 2002, que define-o como o contrato em que uma pessoa assume em caráter eventual e sem vínculo de dependência, a obrigação de promover à conta da outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada (art. 710 CCB/2002).

         No entanto, a representação comercial é tratada em lei especial (Lei nº 4.886/09.12.65 e alterações pela Lei nº 8.420, de 08.05.1992 ) que dá tratamento específico ao contrato de representação comercial, inclusive dispõe sobre cálculo de indenização, pré-aviso, motivos de rescisão pelo representante e pelo representado, juízo competente e foro, vedação da inclusão de cláusula del credere, prescrição, além de outros aspectos inerentes à própria atividade.

Bibliografia

ASSIS, Araken de. In Contratos nominados: mandato, comissão, agência e distribuição, corretagem, transporte, 2. ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. – (Biblioteca de direito civil. Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale; v. 2 / coordenação Miguel Reale, Judith Martins Costa).

BARATA, Carlos Lacerda –Sobre o contrato de agência, Livraria Almedina – Coimbra – 1991.

CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO: Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002.

DECRETO – LEI nº 178/86. Diário da República I Série, N.º 150 (03-07-86).

DECRETO – LEI nº 118/93. Diário da República I Série A, N.º 86 (13-04-1993).

FRANCO, Vera Helena de Mello. In Contratos no direito privado: direito civil e empresarial, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

REQUIÃO, Rubens. In Curso de direito comercial, , São Paulo: Editora Saraiva, 2003. Vol. 1. ed. atual.

VASCONCELOS, Pedro Pais de. In Direito Comercial, Livraria Almedina – Coimbra – 2015. Vol. 1.