Conforme Lei Complementar N. 214/31.12.2012, foi instituído o instrumento jurídico da outorga onerosa do direito de construir no Município de Itajaí, com base na Lei Federal N. 10.257/10.072001, conhecida como Estatuto da Cidade, que em seu art.31, dispõe:
“Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de construir e de alterações de uso serão aplicados com as finalidades previstas nos incs. I a IX do art.26 desta lei” (sic).
Ao analisar-se o art.26, incs. I a IX do Estatuto da Cidade, colhe-se, verbis:
“Art.26. O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Público necessitar de áreas para:
- I – regularização fundiária;
- II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;
- III – constituição de reserva fundiária;
- IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;
- V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
- VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;
- VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental;
- VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;
- IX – (VETADO)”.
Com amparo na referida Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), Município de Itajaí instituiu o instrumento da outorga onerosa do direito de construir, também chamado de “solo criado” ou “virtual”, conforme Lei complementar N. 214/31.12.2012, que assim dispõe:
- Art. 1º Fica instituído o instrumento jurídico da outorga onerosa do direito de construir no Município de Itajaí, que regula o uso do solo, segundo o qual um empreendedor pode construir acima do coeficiente fixado em lei, desde que adquira este direito junto ao Município.
- Art. 2º São objetivos básicos da outorga onerosa do direito de construir:
- I – a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização;
- II – a geração de recursos para o atendimento da demanda de equipamentos e de serviços provocada por adensamentos urbanos;
- III – a geração de recursos para o incremento de políticas habitacionais.
- Art. 3º Os recursos da aplicação desta lei passarão para o Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano de Itajaí.
Parágrafo único. O Poder Executivo deverá divulgar, com linguagem de fácil compreensão e em link destacado, no Portal da Transparência do Município de Itajaí, o total dos valores provenientes da outorga onerosa instituída por esta lei, identificando a origem dos valores arrecadados, o saldo total dos recursos, bem como o detalhamento das despesas, com a relação dos bens e serviços executados ou adquiridos com os recursos provenientes deste instrumento, respeitando-se as disposições do Artigo 31 da Lei Federal 10.257/2001 no tocante a utilização dos recursos. (Redação acrescida pela Lei Complementar nº 377/2021).
Como se vê, Estatuto da Cidade estabelece que os recursos provenientes da outorga onerosa serão aplicados de acordo com o que determina o art.26, incs. I ao IX, acima mencionado, ou seja, é específico para o exercício do direito de preempção[1], nos casos ali definidos.
Portanto, não dispõe a Lei Federal (Estatuto da Cidade) e nem a LC – 214/31.12.2012, do Município, qualquer disposição expressa sobre a liberação de recursos para outras finalidades senão aquelas previstas na própria lei.
Assim, a liberação de recursos oriundos da outorga onerosa para outros fins (v.g. pagamento de empréstimos, financiamentos, etc.), contraria a própria lei e afronta o princípio de legalidade.
Outrossim, compete ao Conselho Municipal de Gestão e Desenvolvimento Territorial (CMGDT), criado pela Lei Municipal Nº 5001/07.12.2007, gerir o Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano, como dispõe o CAPITULO II.
A propósito, prescreve o art.5º, verbis:
- “Art. 5º Fica instituído o Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano de Itajaí – FMDU, gerido pelo Conselho Municipal de Gestão e Desenvolvimento Territorial, destinado a atender ao planejamento, execução e fiscalização de programas de implantação de equipamentos urbanos comunitários.
- Art. 6º Os recursos financeiros do FMDU serão constituídos de:
- I – recursos provenientes da aplicação dos instrumentos urbanísticos, a saber:
a) concessão do Direito Real de Uso de áreas públicas, exceto nas Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS;
b) outorga onerosa;
c) concessão do direito de superfície;
- II – recursos próprios do Município;
- III – transferência intergovernamentais;
- IV – transferências de instituição privadas;
- V – transferências do exterior;
- VI- transferência de pessoa física;
- VII – rendas provenientes da aplicação financeira dos seus recursos próprios;
- VIII – doações;
- IX – outras receitas que lhe sejam destinadas por lei.
Parágrafo único. Os recursos de que trata o caput serão recolhidos em instituições bancária, em conta especial denominada Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano de Itajaí/Município de Itajaí.
- Art. 7º Os recursos do FMDU serão geridos pelo Conselho Municipal de Gestão e Desenvolvimento Territorial, e aplicados de acordo com as resoluções expedidas pelo referido Conselho.
- Art. 8º Os recursos do FDMU deverão ser aplicados no planejamento, execução e fiscalização de programas de implantação de equipamentos urbanos e comunitários, além de outras destinações previstas em lei.
- Art. 9º O Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano fica vinculado à Secretaria Municipal de Urbanismo. (Redação dada pela Lei nº 5550/2010).”
Ressalte-se que a abordagem acima exposta é com base na LC – 214/31.12.2012, do Município, a qual foi revogada pela LC – N. 449/11.03.24 (Novo Plano Diretor), como dispõe o art. 203, inc. VI.
A LC – 449/11.03.24 (publicada no Diário Oficial do Município em 19.03.24, conforme Portal da Transparência) trata no CAPÍTULO VIII –Dos Instrumentos de Política Urbana – arts. 155 ao 160 – Outorga Onerosa do Direito de Construir e Direito de Preempção – art. 161.
Analisando-se agora o instrumento jurídico da outorga onerosa à luz da LC – 449/11.03.24, bem como o direito de preempção, previstos nos arts. 25, 26, 28 e 31 da Lei N. 10.257/10.07.2001 (Estatuto da Cidade), observa-se que, em linhas gerais, o novo diploma manteve-se fiel à LC – 214/31.12.12 (revogada) e ao Estatuto da Cidade (Lei N. 10.254/2001) em vigor.
Portanto, considerando que os recursos da outorga onerosa são administrados pelo CMGDT (agora Conselho Municipal) e que , tais recursos devem ser aplicados de acordo com o artigo 26, incs. I a IX da Lei Federal N. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e em consonância com a LC N.214/2012 (atualmente LC – 449/24) como exposto acima, não é crível o Conselho (atualmente denominado Conselho da Cidade conforme art. 185 da LC – 449/24) autorizar a liberação de recursos de outorga onerosa para o Executivo pagar compromissos outros que não aqueles previstas na própria lei, sob pena de se violar o princípio da legalidade, aplicável no âmbito da administração pública.
[1] Direito de Preempção: Exprime a preferência; direito de preferência.
Luiz Fernando Molléri
Advogado – OAB/SC 2174
Membro do CMGDT
(Representante da ACII)